domingo, junho 14, 2009

TOSTÃO

Conversas com um leitor


JORNAL DO BRASIL - 14/06/09

Um leitor, que encontrei em uma das caminhadas pelo bairro onde moro, quando converso com minha imaginação e com outras vozes que estão dentro de mim, ficou surpreso ao saber que a Seleção de 70, considerada por muitos como a mais brilhante e a mais ofensiva de todos os tempos, foi a que mais fez gols de contra-ataque.

Para o leitor, que não sei o nome, e para muitas outras pessoas, o contra-ataque está sempre associado ao futebol defensivo, o que não é verdade.

Com exceção de gol de bola parada e outros poucos tipos de gols, todos os outros são de contra-ataque, quando se recupera a bola. Se isso ocorre mais na frente, o time será bastante ofensivo. Além disso, nas décadas de 60 e 70, aconteciam pouquíssimos gols de bola parada. Isso aumenta a porcentagem de gols de contra-ataque.

Questionei na coluna anterior se a falta de craques no meio-campo da Seleção é por causa de mudanças que os técnicos fizeram na maneira de jogar das equipes ou a falta de talentos obrigaria os treinadores a jogar de uma maneira mais dura, de mais marcação e com pouca criatividade.

O mesmo leitor me deu uma boa resposta. Disse que os técnicos, desde as categorias de base, colocam os armadores mais habilidosos e mais talentosos para atuar mais à frente, de meias ofensivos ou de atacantes, como se não tivessem condições para marcar. O leitor lembra ainda que Kaká, Robinho, Ronaldinho, Alex e outros jogadores excepcionais são meias ofensivos e não jogadores de meio-campo.

Penso também que é por aí. O meio-campo foi dividido pelos técnicos brasileiros entre os volantes, que marcam e atuam do meio para trás, e os meias ofensivos, que atacam e jogam do meio para frente. Desapareceram os grandes meias armadores, que faziam as duas funções, que atuavam de uma intermediária à outra e que faziam suas equipes dominarem as partidas.

Paradoxalmente, no momento em que se exige dos atletas terem mais de uma função, houve uma especialização no meio-campo. Isso aconteceu em quase toda a sociedade. Os especialistas trouxeram grandes benefícios e também coisas negativas. Diminuiu o número de profissionais que têm uma visão mais ampla e que saem do convencional. Faltam artistas, na sociedade e no meio-campo da Seleção, que inventam e reinventam as jogadas.

Todos os armadores da Seleção são bons, mas, há mais ou menos 20 anos, depois de Falcão, não surgiu um único armador espetacular. Não é por capricho nem pelo esquema tático dos técnicos europeus que, com exceção de Anderson, nenhum jogador de meio-campo da Seleção atua em um dos grandes times da Europa. Mesmo Anderson não é destaque nem titular absoluto do Manchester United.

Há alguns lampejos de grande talento no meio-campo do futebol brasileiro, como o belíssimo passe de Felipe Melo para o gol de Nilmar. Felipe Melo, bom jogador, quis, contra o Paraguai, ser um artista, um craque, durante toda a partida, que ele não é. Por isso, acertou e errou muito. O craque não precisa mostrar em todos os lances que é craque. Ele é.

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