quinta-feira, junho 04, 2009

MÍRIAM LEITÃO

Na real, vai mal


O Globo - 04/06/2009
 

A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) acabou de revisar a previsão de crescimento do setor em 2009: de zero para -2%. Já a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) está considerando 2009 como um ano perdido. O setor siderúrgico adiou US$40 bilhões de investimentos que seriam feitos até 2013. A economia real e a Bolsa continuam em dois tempos. 

Ontem, o Ibovespa caiu, mas em 2009 já subiu 40%. A entrada forte de capital estrangeiro é uma das explicações para a valorização dos ativos, que tem espalhado a sensação de que a crise acabou. Quem fala com alguns setores da economia sente que a realidade é bem diferente da espuma. Siderurgia, eletrônicos, e máquinas e equipamentos estão decepcionados. Esperavam já estar numa recuperação sustentada e estão às voltas com um antigo problema: a volatilidade do dólar, que agora despenca. 

No começo do ano, ligamos para alguns setores para perguntar qual era a expectativa de cada um para 2009. A resposta foi curiosa: vários disseram que só em junho poderiam dizer como seria, tal a incerteza que havia naquele janeiro. Agora, eles já sabem: o ano será ruim, ou muito ruim para vários setores da indústria brasileira. 

De acordo com o presidente da Abimaq, Luiz Aubert, os investimentos estão suspensos porque a ociosidade da indústria está elevada. Aubert acredita que o cenário mais provável é de queda de 25% no faturamento e redução de 30% a 35% no volume de vendas. A volatilidade do dólar diminui ainda mais a previsibilidade no setor. 

- Estamos com uma variação acima de 10% na moeda americana. Isso faz com que o empresário não consiga definir um preço para importar ou exportar seus produtos. Torna o negócio um voo cego. Está todo mundo parado, sem saber o que fazer - explicou. 

As demissões devem continuar até dezembro. De janeiro a abril, os números oficiais são de 17 mil postos de trabalho fechados. Até o final de 2009, o temor é de corte de 50 mil, no total. 

- Nosso setor engloba empresas pequenas, com até 120 funcionários. Todos os dias temos relato de demissões. Elas não ganham repercussão porque são em empresas pequenas. O que é pior nisso tudo é que cada empregado precisa de quase 10 anos de treinamentos. Então, recuperar essa mão-de-obra terá um custo muito alto - afirmou. 

No setor siderúrgico, o que antes era a salvação, agora virou preocupação. A China não só não está comprando, como está liquidando aço mundo afora. Isso é um problema grave, de acordo com o Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS). 

Para o presidente do IBS, Marco Polo de Mello Lopes, a desova de produtos chineses está prejudicando as vendas dentro do Brasil, e também as exportações do país para a América Latina. No primeiro quadrimestre deste ano, as exportações brasileiras para a região caíram 63%. 

- O governo chinês tem incentivado as exportações de aço a preços de liquidação. A China produz cerca de 500 milhões de toneladas de aço por ano, se 10% disso for exportado a preço baixo, é um volume maior do que todo o aço produzido no Brasil - dimensionou Marco Polo. 

O presidente da Abinee, Humberto Barbato, afirma que o melhor cenário para 2009, de crescimento zero, não se concretizou. Agora já se sabe que haverá contração. Ele explica que essa revisão para baixo (de zero para -2%) aconteceu por três motivos: as exportações continuam ruins; o resultado do primeiro quadrimestre decepcionou; a confiança dos consumidores está baixa. 

- Estamos desanimados porque a recuperação que deveria ter acontecido em abril e maio não se concretizou - disse Barbato. 

O principal problema é a confiança. Com a taxa de desemprego em trajetória ascendente, ele diz que os consumidores não se sentem seguros para comprar artigos mais caros, que geralmente exigem longos financiamentos. 

- Não adianta o crédito voltar à normalidade. Para nós, o mais importante é que o consumidor tenha certeza de que não vai perder o emprego - explicou. 

Os números da Abinee falam por si só: as exportações caíram 26% e o faturamento recuou 12% no primeiro trimestre de 2009, na comparação com igual período de 2008. Apenas um dos oito subsetores cresceu: Geração, Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica (10%), impulsionado por obras públicas ligadas ao PAC. Os outros sete recuaram: Automação Industrial (-5%); Componentes (-21%); Equipamentos Industriais (-11%); Informática (-16%); Material de Instalação (-26%); Telecomunicações (-9%); Utilidades Domésticas (-9%). O setor de Utilidades Domésticas engloba os eletrodomésticos. 

Segudo Barbato, os empresários do setor voltaram a falar em demissões. 

- O quadro não está bonito. Eu sempre fui uma pessoa otimista, mas preciso ser realista neste caso para não ser desmentido pela realidade. Agora temos novamente uma volatilidade no câmbio, que dificulta a tomada de decisões e ainda prejudica as exportações - afirmou. 

Tanto Barbato quanto Aubert acham que a bolsa de valores está completamente fora da realidade da economia mundial. 

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