domingo, junho 14, 2009

ELIO GASPARI

Lula terá o que mostrar em Genebra

FOLHA DE SÃO PAULO - 14/06/09

NOSSO GUIA desembarca hoje em Genebra para o aniversário da Organização Internacional do Trabalho com um bolão no pé. Numa época em que demagogos europeus e americanos fazem carreira defendendo a perseguição a imigrantes que trabalham sem a documentação necessária, o Congresso brasileiro concedeu uma anistia aos estrangeiros que vivem ilegalmente em Pindorama. Não se sabe quantos são. Fala-se em algo entre 200 mil e 600 mil pessoas, na maioria latino-americanos, mas também africanos, chineses e coreanos.
Esses imigrantes vivem precariamente, assediados por achacadores e explorados por empregadores. Habitam numa zona de sombra onde há jornadas de trabalho de 16 horas, exploração sexual e até mesmo recrutamento para quadrilhas de criminosos. Com a anistia, os imigrantes poderão regularizar sua situação. A iniciativa partiu de um deputado da oposição (William Woo, do PSDB de São Paulo, filho de chinês com japonesa) e foi aperfeiçoada no Senado. Em nenhum momento provocou controvérsia.
Durante os últimos 150 anos, o Brasil recebeu levas sucessivas de imigrantes. Foram cerca de 6 milhões de pessoas, quase sempre miseráveis, deliberadamente exportados pelos governos da Europa e do Japão. Vieram até americanos tristes com a derrota do Sul na Guerra da Secessão, encantados com a sobrevivência da escravidão nacional. Hoje essa situação se inverteu e há algo como 2 milhões de brasileiros no exterior, sem que o governo os tenha estimulado a partir. (Na média, a escolaridade dos brasileiros que migram é superior à dos estrangeiros que vieram para cá.) Nações europeias que embarcaram seus famintos hoje cultivam preconceitos e projetos segregacionistas de acesso a saúde e educação. Assim como ocorreu na primeira metade do século passado, a crise econômica provoca desemprego e o desemprego estimula a xenofobia. Deu no que deu.

FERNANDO SARNEY DESAFIA CHARLES DARWIN
O senador maranhense Epitácio Cafeteira foi categórico numa conversa com o repórter Rodrigo Rangel: "Eu contrato quem eu quero e não sabia que tinha que pedir autorização a vocês da imprensa".
O problema não é de autorização, mas de compostura. Há 22 anos, o empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente e dono de eletrizante fortuna, procriou fora do casamento com uma ex-candidata a Miss Brasília. Cafeteira colocou o moço na bolsa da Viúva dando-lhe um emprego de R$ 7,6 mil mensais em seu gabinete. Pressionado pelas restrições ao nepotismo, demitiu-o e, para equilibrar o orçamento desse ramo da família de Fernando Sarney, contratou a mãe. Tudo com a discrição dissimulada das casas-grandes.
O filho do ex-presidente tem patrimônio e renda suficientes para pagar R$ 7,6 mil mensais com dinheiro do seu bolso. Para o padrão de consumo do andar onde circula, essa quantia equivale a duas caixas de bom vinho, ao custo de um jantar para 15 pessoas ou ao hotel na Europa num feriadão. Fernando Sarney não precisava passar a conta de seu filho para a Viúva. O episódio não assombra pelo aspecto corrupto nem mesmo pela avareza. O que ele traz de pior é a exposição da decadência.
Nas palavras de Cafeteira: "Eu devia favores ao Fernando. Ele me ajudou na campanha". Fica faltando o senador dizer que favores e quanto valeram. No ano do bicentenário de Charles Darwin, Fernando Sarney tornou-se uma peça para o estudo da regressão das espécies.

BANESTADO 2.0
Pelo andar da carruagem, com os petrotecas tucanos mapeando a blindagem dos fornecedores da administração do comissário Sergio Gabrielli, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras será uma versão 2.0 da CPI do Banestado. De triste memória, a CPI do Banestado foi instalada em 2003, sob a fanfarra da busca de US$ 30 bilhões lavados no sistema financeiro. Não se pode dizer que tenha dado em nada, pois remanejou uma parte do mercado de doleiros e sacramentou o romance do PT com uma banda da banca. Nela alguns curiosos seguiram boas pistas, acharam o que buscavam e juntaram o que não deviam.

PETROCHAVE
As patrulhas parlamentares petistas têm um calmante para baixar o tom de tucanos e demos. Basta incluir duas palavras, somando nove letras, no meio de qualquer frase: "Joel Rennó". Rennó presidiu a Petrobras durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, com o ativo beneplácito do então PFL.

PRIVATARIA DO PT
A melhora dos serviços públicos de energia e comunicação foi a joia da coroa da privataria tucana. Na teoria, as empresas comprariam o patrimônio da Viúva e seriam submetidas à fiscalização das agências reguladoras. Passou o tempo e veio a privataria das agências petistas. Em São Paulo, a Telefônica tornou-se um exemplo de excesso de oferta de panes e escassez de explicações. Quanto ao fornecimento de eletricidade, os apagões da Eletropaulo já criaram um mercado de geradores a gás para prédios da região da avenida Paulista.

PM NELES
O governador José Serra e seus sábios tucanos, bem como a reitora da USP, Suely Vilela, deveriam conversar com o professor Aloisio Teixeira, reitor da UFRJ. Ele recebeu uma universidade conflagrada, pacificou professores e estudantes e deixou a polícia de fora.
Serra e a doutora Suely fazem o caminho oposto. Militarizam a controvérsia e jogam os moderados no colo dos aparelhos.
Pode ser que haja na USP garotos (e professores) convencidos de que a democracia representativa é uma "máscara para acobertar a submissão do Brasil ao imperialismo". É besteira, mas é besteira velha, dita em 1963 pelo governador que acionou a PM, quando assumiu a presidência da UNE.

POUCA ENERGIA
Os professores Adilson de Oliveira e Eduardo Pontual, da UFRJ, relacionaram os números do consumo de energia elétrica com a produção industrial e concluíram que o doce futuro prometido pelo ministro Guido Mantega está longe de acontecer. O consumo de energia continua patinando nos níveis de 2006 e 2007, longe do crescimento de 2008. Os dados dos últimos 90 dias mostram que, se não forem tomadas medidas para aquecer a produção industrial, o segundo trimestre de 2009 poderá fechar melhor que o primeiro, mas ficará longe do retorno à normalidade.

ERRO
Estava errada a informação aqui publicada, segundo a qual o ministro Tarso Genro queria criar um Observatório da Justiça anexo à estrutura de seu comissariado. Em nenhum momento ele quis fazer isso. Pelo contrário, a ideia surgiu com o pressuposto de que a iniciativa ficasse no âmbito de alguma universidade, como ocorre em Portugal.

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