sábado, maio 02, 2009

RUTH AQUINO

REVISTA ÉPOCA
Moço, tem vacina contra a ignorância?
Ouvir de Lula que “Dilma não tem mais nada” é um pouco demais. Porque é mentira
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br

Tem vacina contra populismo? E contra corrupção? Não, não é gripe suína, o Ministério da Saúde já garantiu que “o Brasil está preparado, os aeroportos estão sendo monitorados e dobrou a fiscalização de quem chega”. E todo mundo acreditou, porque aqui só chega marola, não é assim? O vírus cruzará o Atlântico e chegará aqui fraquinho. A epidemia que me preocupa é outra. A da ignorância. Tem injeção contra contaminação? Não quero meus filhos só três horas por dia na escola sem aprender nada. E se eu rezar?

O maior escândalo da semana foi o aproveitamento político do câncer da ministra Dilma Rousseff pelo presidente Lula, no calor do palanque amazônico. Dilma não merece. E a gente menos ainda. Ele é o cara que encanta o povo brasileiro, pela simplicidade e simpatia. Mas ter de ouvir de Lula que sua candidata “certamente não tem mais nada” porque “o câncer já foi tirado” e ela fará agora apenas “um tratamento preventivo” é um pouco demais. Porque é tudo mentira. Lula subestima seus ouvintes. Uma coisa é ser otimista. A outra é faltar com a verdade de maneira calculada, para tornar a ministra da Casa Civil, aos olhos do povo, uma mulher como qualquer outra. Do palanque, Lula apelou por apoio e sentimentalismo em momento que exigiria reserva e cuidados: “Rezem por ela”.

Quem conhece Dilma – e a maioria dos brasileiros ainda não conhece – ficou profundamente entristecido com a notícia. É mais um drama para essa mulher que foi guerrilheira aos 19 anos, caiu na clandestinidade sob o codinome Estela e foi torturada com choques elétricos. Dilma leva tudo a sério. Submeteu-se a uma cirurgia plástica para suavizar as rugas e a aparência durona, e se jogar com força e charme na campanha presidencial, rodando pelo país. Tudo leva a crer que vai sair desta e recuperar a saúde. Mas prever que a ministra não abandonará a “agenda dupla” é irresponsável.

Ouvir de Lula que “Dilma não tem mais nada” é um 
pouco demais. Porque é mentira

Conversei com uma médica brasileira, sumidade em diagnósticos. Ela já salvou amigas minhas que tiveram câncer e estão muito bem: “Ruth, eu adoro e admiro muito a Dilma, e essa notícia foi um choque tremendo para mim. Essa quimioterapia, que dizem aí que durará cinco meses, na verdade pode chegar a seis, sete meses, e é uma pancada brutal no organismo. Em breve, a ministra acordará e todos os seus cabelos estarão sobre a cama. Cairão sobrancelhas, cílios. A nutrição terá de ser controlada, alimentos esterilizados. Com a imunidade baixa, não poderá se expor a contato com multidão”. Como esperar, humanamente, que a ministra se mantenha neste ano sob holofotes e em campanha para uma eleição já em 2010? Esse risco, só a própria Dilma e seus parentes mais próximos podem avaliar. E Lula chama o tratamento de “preventivo”.

A doença de Dilma (câncer ainda é uma palavra que se evita) e a epidemia de gripe suína colocaram em segundo plano as estripulias no Congresso. Mas houve uma reviravolta ética na novela “Caminho de Brasília”: a farra das passagens não foi a plenário. Parentes e amigos de parlamentares não poderão mais viajar com nosso dinheiro. Os deputados se sensibilizaram com a tal “opinião pública manipulada pelo denuncismo da imprensa”. Muito bem. Mas foram todos anistiados pelos erros anteriores. Por isso, o mineiro Edmar “Castelo” Moreira, hoje sem partido, também quer perdão, é filho de Deus.

Alguém anotou quanto a Câmara vai economizar com essa medida moralizadora? Serão R$ 17,9 milhões ao ano. Quase R$ 18 milhões. Dá para fazer muito com esse dinheiro. Dá para os próprios deputados aumentarem, em votação, os seus subsídios, de R$ 15 mil para R$ 24 mil. O presidente da Câmara, Michel Temer, criou comissão para estudar a “reestruturação administrativa da Câmara”. E disse que “nunca houve farra de passagens”. Então tá.

No Senado, até uma funcionária fantasma se rebelou: Luciana, filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, pediu demissão porque “o Senado é uma bagunça” – tanto é que lhe pagava havia seis anos horas extras, acima do salário de R$ 7 mil, para não aparecer jamais na Casa. Nem fantasma aguenta essa bagunça toda. Tem vacina, moço? 

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