quinta-feira, maio 21, 2009

MERVAL PEREIRA

Tempos de dúvidas


O Globo - 21/05/2009
 

É sintomático dos tempos de dúvida que vivemos a maneira nada peremptória com que Lula tratou a questão da emenda constitucional para permitir que dispute um terceiro mandato consecutivo em 2010. Ao contrário das outras vezes, o presidente foi vago. Disse que não trabalha com essa hipótese porque: 1) Não existe terceiro mandato; 2) A Dilma está bem. O terceiro mandato consecutivo não existe até o momento em que for aprovada uma emenda constitucional permitindo, e já existem diversas iniciativas de partidos da base governista para a convocação de um referendo, a exemplo do que já foi feito na Venezuela e na Bolívia e será feito na Colômbia, onde o atual presidente, Álvaro Uribe, é tão ou mais popular do que Lula. 

Como se vê, a tendência a permanecer no poder o mais possível não é característica da direita ou da esquerda, e nem mesmo da América Latina, e nem sempre uma questão de mudar a Constituição. 

O líder russo Vladimir Putin deixou de ser presidente para se transformar em primeiro-ministro e continua dominando o poder. O argentino Néstor Kirchner, não podendo se recandidatar, colocou a mulher, Cristina, em seu lugar, e depois pretende voltar a governar o país. Tudo indica que não conseguirá, mas manipulou as regras do jogo a seu bel-prazer. 

O PSDB patrocinou a implantação da reeleição no país, transformando Fernando Henrique Cardoso no primeiro presidente reeleito na História do Brasil, e namorou a ideia do terceiro mandato consecutivo do presidente, ou a implantação do parlamentarismo. 

A primeira onda de tentativa de permanência estendida no poder estava a pleno vapor, com Alberto Fujimori, no Peru, e Carlos Menem, na Argentina, tentando manobras para viabilizar um terceiro mandato. 

Assim como naquela época a companhia de Fujimori e Menem e a crise econômica tornaram a ideia de um terceiro mandato inviável politicamente, hoje a companhia de Chávez, Morales, Correa e Kirchner é o obstáculo maior à tentativa de aprovar a re-reeleição. 

O presidente Lula é reconhecido na política internacional como um político de esquerda bastante pragmático e democrático, e por isso é elogiado. Segundo o sociólogo argentino Mariano Grondona, a possibilidade de reeleição eterna é a fronteira que separa o autoritarismo populista das democracias como Brasil, Chile e Uruguai. 

Ele cita uma definição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - "Mais de dois mandatos é monarquia" - para dizer que os presidentes da região que assumiram o poder depois das ditaduras militares fizeram questão de manter intocada a Constituição, garantindo a possibilidade de alternância de poder, uma das bases da democracia representativa. 

Em 1994, o primeiro sucessor democrático de Pinochet, Patricio Aylwin, recusou a possibilidade de uma reeleição imediata, criando um precedente que foi seguido por seus sucessores Frei, Lagos e Bachelet. 

Em 1990, Julio Sanguinetti, no Uruguai, respeitou escrupulosamente a proibição de reeleição imediata, assim como seus sucessores Lacalle, Batlle e Tabaré Vázquez. 

À medida que fica mais real a possibilidade de a ministra Dilma Rousseff não estar em condições físicas para disputar uma campanha presidencial, cresce a angústia da base aliada do presidente Lula, e é previsível que as pressões para que aceite uma mudança das regras do jogo aumentem. 

Os dois partidos que monopolizam a política brasileira nos últimos 20 anos, PT e PSDB, vivem o mesmo dilema: o que perder a próxima eleição corre o risco de ficar fora do poder pelos próximos oito anos. 

No momento, a situação dos tucanos é mais delicada, porque já estão na oposição há oito anos e correm o risco de se dissolver se perderem a eleição presidencial e não conseguirem manter o controle dos estados que lhes dão sustentação política a nível nacional, São Paulo e Minas. 

O PT, que provou o gostinho do poder e tem como característica política o aparelhamento da máquina do Estado, não quer abrir mão das posições que conquistou. E Lula é a única garantia de isso acontecer. 

Se chegar o momento, Lula terá que decidir entre a sua história política e a do PT. Se, ao contrário, a ministra Dilma Rousseff tiver condições físicas de enfrentar a campanha, Lula terá feito tudo o que estava a seu alcance para garantir a continuidade sem macular sua imagem. 

Mundo perigoso 

As discussões do governo dos Estados Unidos com os de Israel e Paquistão, que se desenvolveram com mais intensidade nos últimos dias, têm um pano de fundo assustador. O governo brasileiro tem informações de que o Paquistão admite extraoficialmente ter perdido o controle de pelo menos 25 mísseis, o que torna a situação na região altamente problemática. 

Essas armas estavam em uma região próxima do Afeganistão, e o temor é que os talibãs tenham se apoderado pelo menos de algumas delas. 

A cada míssil que o Irã lança ao ar, cresce o temor de que o país possa usar seus conhecimentos nucleares, que ninguém sabe ainda em que nível estão, contra Israel. 

Uma conta simples mostra a que nível de periculosidade as coisas chegaram. Quando havia a guerra fria, um míssil levava em média cerca de meia hora para atingir o alvo. 

Tempo suficiente para que os governos dos Estados Unidos e da União Soviética negociassem uma reversão do míssil ou o interceptassem. 

Na crise de Cuba, em 1961, pela primeira vez na história, os mísseis soviéticos estavam a sete minutos dos Estados Unidos, o que define a gravidade da situação que acabou contornada. 

Hoje, um míssil do Paquistão para a Índia ou vive-versa está de três a cinco minutos do alvo, assim como do Irã para Israel ou ao contrário. Um tempo que não dá condições para recuos estratégicos.

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