domingo, abril 12, 2009

ÉLIO GASPARI

Sarney, Temer e o programa Du Barry 2.0

FOLHA DE SÃO PAULO - 12/04/09


Os presidentes do Senado e da Câmara, como a namorada de Luís 15, pensam que um dia a onda passa


JOSÉ SARNEY , presidente do Senado, e Michel Temer, presidente da Câmara, deveriam marcar um encontro para discutir um mistério da história. Por que a Madame Du Barry, última namorada de Luís 15, resolveu deixar Londres, onde se escondera em paz, e regressou a Paris, em plena Revolução? A decisão foi influenciada por um motivo patrimonial, pois a choldra confiscara seu castelo e ela pensou que poderia recuperá-lo. Tremendo erro de cálculo. Chegou em fevereiro de 1793, foi presa em setembro e guilhotinada em dezembro.
Temer e Sarney deveriam se perguntar se não estão rodando um programa Du Barry 2.0 quando defendem ou encobrem privilégios, nepotismos e maracutaias que ofendem a patuleia. Não serão degolados, mas irão para a galeria das vítimas da cegueira de classe.
Descobre-se que, numa viagem ao México, a filha do senador Tião Viana circulou com um celular da Viúva. Denunciado o mimo, o companheiro pagou a conta, mas negou-se a divulgar a cifra (R$ 14 mil). Quando o valor vazou, os doutores abriram sindicância para descobrir como o sigilo foi quebrado. Desse jeito, a malfeitoria esteve na divulgação da quantia, e não na tentativa malsucedida de repassá-la à Viúva.
Descobre-se que a Câmara pretende gastar R$ 76 milhões convertendo apartamentos funcionais e Temer diz que os fatos foram "mal interpretados pela imprensa". Minutos depois viu-se desmentido pelo encarregado do projeto, o deputado Nelson Marquezeli: "Eu vou fazer a divisão dos apartamentos".
Nesse mesmo dia, no Planalto, Lula estava reunido com o Poder Legislativo emergente, as centrais sindicais. Discutiam a possibilidade do governo patrocinar uma redução dos encargos trabalhistas para preservar empregos. Os legisladores da CUT e da Força Sindical não gostaram da ideia, e podem ter razão.
Os assuntos que deveriam passar pelo Congresso, como a proposta de revisão dos encargos, vão primeiro para as centrais. Já outros episódios, que deveriam ser tratados em delegacias de polícia, ocupam a rotina parlamentar. Nesse cenário de pouco valor, Sarney e Temer estão sempre um lance atrás. Parlamentares experientes, conhecem as Casas que presidem e talvez achem que a faxina pode ficar para depois. Só se movem quando a Viúva grita "pega ladrão".
A Du Barry não percebeu que o seu mundo estava acabando e acreditou que as coisas se acomodariam. Sarney e Temer vão pelo mesmo caminho. Por sorte, não botarão o pescoço na guilhotina, só as próprias biografias.
Um lembrete: os hierarcas do Congresso têm uma fé infinita na lealdade de uma parte da burocracia e, sobretudo, em seletos grupos de assessores. Quem denunciou a Du Barry foi seu fiel serviçal Zamore, um anão negro que ela vestia com roupas berrantes e muitas joias.

Harvard deu uma lição de crise

A Universidade Harvard acaba de tomar duas providências. Desligou dois dos quatro elevadores do edifício onde funciona sua administração e alterou a rotina do serviço de limpeza do prédio. Agora, cada um terá que esvaziar sua lata de lixo na caçamba colocada no fim do corredor e a faxina diária passou a semanal.
Esse é um caso exemplar de economia de tostões para mostrar que até tostões devem ser economizados. Antes da crise, Harvard tinha um patrimônio de US$ 37 bilhões. De lá para cá perdeu uns US$ 10 bilhões. Como a renda desse ervanário sustenta 35% do orçamento, antes de desligar os elevadores, a universidade congelou salários, obras de expansão e baixou o recrutamento de professores de 50 para 15.
A conduta da escola mais rica do mundo pode ser útil para as universidades públicas brasileiras que planejam sua safra rotineira de greves.

Poderes do Planalto
Pela enésima vez Nosso Guia reuniu sua equipe para pedir que as coisas aconteçam. Sua queixa é a mesma: o governo decide, os burocratas aplaudem, o tempo passa e tudo continua na mesma. Trata-se de uma briga eterna. Os poderes do Planalto, supostamente infinitos, às vezes são humilhados. Em 1966 o presidente Castello Branco e o presidente da Câmara, Adauto Lúcio Cardoso, entraram num curso de colisão quando o deputado se recusou a aceitar a cassação do mandato de seis parlamentares.
O marechal achou que só havia um caminho: fechar a Câmara. Planejou-se a operação militar, a tropa cercou o Congresso e uma equipe foi mandada ao centro de distribuição de energia elétrica para que, à hora combinada, o prédio ficasse às escuras.
Tudo funcionava de acordo com o plano. As comunicações telefônicas já haviam sido cortadas e, quando chegou o momento do apagão, o chefe de Serviço Nacional de Informações, Golbery do Couto e Silva, e seu secretário, Heitor Ferreira, foram a uma janela do Planalto para ver o espetáculo.
Tchan. Apagaram-se as luzes do Palácio do Planalto.

Cuba e Obama 
Barack Obama e Raul Castro estão afinando a sintonia para uma nova fase nas relações dos Estados Unidos com Cuba. Trocam recados com a discrição dos adúlteros. O sinal americano já está na mesa e será o afrouxamento das restrições para viagens e remessas de dinheiro à ilha. O sinal cubano, como sempre, será a libertação de um lote de presos políticos. Com um pouco de sorte, consegue-se um afrouxamento da perseguição aos dissidentes.

Grande Buffett 
O biliardário americano Warren Buffett deu mais uma aula ao mercado. Em setembro do ano passado, no auge da crise bancária, ele botou US$ 10 bilhões na Goldman Sachs. A ação da empresa caíra de US$ 179 para US$ 121. Ele se acautelou, contratando rendimento seguro de 10% sobre essa cotação. É possível que Buffett saia de 2009 com ganho superior a 10%. Na quinta, a ação da Goldman Sachs fechou a US$ 125.
Um ensinamento do mago: mais importante do que investir em novas tecnologias é não deixar dinheiro em coisas que vão morrer. No início do século passado, houve frenesi por fábricas de carros e quem investiu nelas dançou, pois 99,9% das empresas quebraram. Ganhou quem tirou o dinheiro investido em carruagens e cavalos.

Encrenca
Amanhã Nosso Guia anunciará seu plano de ajuda aos municípios que perderam recursos com a queda da arrecadação e o emagrecimento das transferências que recebem de Brasília. A ideia parece boa, mas embute uma complicação punitiva para cidades que ficam acima da linha d'água.
Imagine uma cidade que recebia R$ 100 mil e teve seus recursos minguados para R$ 80 mil. Nesse caso, o governo federal poderia mandar R$ 20 mil adicionais. Tudo bem, mas o município ao lado recebia R$ 130 mil, caiu para R$ 101 mil e não receberia nada, ou menos. Admitindo-se que os dois são vizinhos, um deles será compensado e o outro ficará com um buraco de caixa.
Uma boa tabelinha pode minorar esse problema, mas o centro da questão continua do mesmo tamanho: quando o governo resolve distribuir dinheiro em clima pré-eleitoral, acaba se metendo em confusão.

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