sábado, abril 18, 2009

DIOGO MAINARDI

REVISTA VEJA

Diogo Mainardi
Obama e o cachorro português

"Quantos cachorros portugueses são necessários
para trocar uma lâmpada? Quantos são necessários
para bombardear as usinas nucleares da Coreia do 
Norte e do Irã?"

Barack Obama ganhou um cachorro português. É o cachorro da anedota: tenta se acasalar com a perna da empregada ou com a almofada, e passa o dia inteiro correndo atrás do próprio rabo. Quantos cachorros portugueses são necessários para trocar uma lâmpada?

Manoel? Joaquim? Nada disso: o cachorro português de Barack Obama se chama Bo. De acordo com o Washington Post, em homenagem a Bo Diddley, o guitarrista de blues. Um bocado de gente notou que Bo pode ser interpretado também como B.O. – as iniciais de seu dono, Barack Obama. Nesse caso, Barack Obama é igual a Quincas Borba, que tinha um cachorro chamado Quincas Borba.

Depois de passar dois parágrafos correndo atrás de meu próprio rabo, rosnando e latindo, cheguei ao ponto a que queria chegar. Barack Obama, dono do cachorro Barack Obama, certamente ignora as ideias de Quincas Borba, dono do cachorro Quincas Borba, porém elas poderiam ser-lhe de grande utilidade no relacionamento com a Coreia do Norte, ou com os aiatolás iranianos, ou com os terroristas em Tora Bora. Quincas Borba é tratado como um demente por seu autor, Machado de Assis. Mas o Humanitismo, a filosofia criada por ele, que atesta o "caráter benéfico da guerra", parece condensar e caricaturar as ideias do próprio Machado de Assis, com aquele seu realismo reacionário, com aquela sua crueza fatalista, com aquele seu conformismo desiludido, com aquele seu azedume zombeteiro.

Cito Quincas Borba:

"Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas... Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas".

A implacabilidade do pensamento de Machado de Assis está claramente refletida na trama do romance Quincas Borba, em que os bandoleiros conseguem pilhar todas as batatas e os tontos morrem na miséria. Barack Obama, dono do cachorro Barack Obama, pode dispensar os conselhos humanitistas de Quincas Borba, dono do cachorro Quincas Borba. Mas a pergunta que ele talvez tenha de fazer um dia é a seguinte: quantos cachorros portugueses são necessários para bombardear as usinas nucleares da Coreia do Norte e do Irã?

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