sábado, março 21, 2009

MAILSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA

Maílson da Nóbrega
Um novo capitalismo 
(ou mais do mesmo)

"Não há alternativa ao sistema capitalista. Nenhum outro libera tanto as energias produtivas da sociedade nem o supera na geração de renda, emprego e bem-estar"

Em janeiro passado, líderes políticos, intelectuais e especialistas de variada origem se reuniram em Paris no simpósio "Novo mundo, novo capitalismo", coliderado pelo ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair e pelo presidente francês Nicolas Sarkozy. O objetivo foi discutir a crise financeira, avaliar o capitalismo e a globalização e explorar caminhos para reformar o sistema financeiro.

O simpósio inspirou o indiano Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998, a escrever instigante artigo sobre a evolução do capitalismo. Para ele, a crise não requer um "novo capitalismo", mas a reinterpretação de velhas ideias e instituições para produzir um mundo mais decente. O texto está em www.nybooks.com/articles/22490.

O termo "capitalismo" não foi inventado por Adam Smith, como se pensa. A ele coube a primazia de teorizar sobre a economia de mercado, assinalando o papel da moral e das liberdades individuais na construção de uma sociedade próspera. O termo teria sido utilizado pela primeira vez por Karl Marx para descrever pejorativamente a "elite da sociedade burguesa", que possuía e controlava os "recursos de capital da sociedade".

Formas primitivas de capitalismo já existiam nas civilizações do Crescente Fértil, dos fenícios e dos impérios teocráticos fundamentados na agricultura. O Velho Testamento fala no mercado de escravos (a venda de José a mercadores egípcios). No Novo Testamento, Cristo expulsa os vendilhões do templo, indignado com o uso da casa de Deus para a compra e venda de mercadorias (o capitalismo da época).

O que Smith detectou e Marx condenou foi a novidade surgida de transformações institucionais como a Revolução Gloriosa inglesa de 1688: o sistema capitalista sustentado por instituições. A lei prevalece sobre o arbítrio dos reis. Direitos de propriedade e respeito aos contratos são garantidos por um Judiciário independente.

Além do impulso que recebeu de tais mudanças, o capitalismo foi também turbinado por outras transformações criadoras de incentivos para o investimento e os negócios. Incertezas viraram riscos, que podem ser calculados. A ciência e a tecnologia avançaram com a queda de dogmas religiosos. A criação da polícia, começando na Inglaterra, aumentou a segurança. Os holandeses e os ingleses inventaram o atual sistema financeiro, que viabilizou a Revolução Industrial.

Estado e mercado são os irmãos siameses do capitalismo moderno. A partir do século XIX, essa convivência se acentuou com o advento da democracia, da regulação e da intervenção estatal para corrigir falhas de mercado. A aceitação dos resultados do capitalismo demandou políticas públicas para assegurar o acesso dos pobres à educação, à saúde e a uma renda mínima. O bem-estar geral se ampliou.

É pura parvoíce, pois, explicar a crise por um suposto afastamento do estado de seu papel na economia. Perdem tempo os segmentos da esquerda que prognosticam o retorno da intervenção estatal de outros tempos. A não ser por equívoco, não há como ressuscitar o controle de capitais, a estatização de serviços de infraestrutura, os tabelamentos e outras ações estatais cujo fracasso determinou seu sepultamento.

Os debates em curso dizem respeito a uma nova regulação do sistema financeiro, de modo a coibir práticas que levaram à crise. O objetivo é restituir ou reforçar a função essencial do sistema, que é direcionar os recursos da sociedade aos fins mais produtivos. Buscar-se-á evitar regulação castradora do processo de inovação.

Não há alternativa ao sistema capitalista. Nenhum outro libera tanto as energias produtivas da sociedade nem o supera na geração de renda, emprego e bem-estar. Que o digam Cuba e Coreia do Norte. Ao longo do tempo, o capitalismo mostrou capacidade de aprender lições, de se reinventar, de superar crises e de sobreviver aos seus críticos, principalmente Marx e seus seguidores.

Sejam quais forem as mudanças para regular o sistema financeiro e criar "um mundo mais decente", a natureza do sistema econômico não mudará. A ideia é renovar o capitalismo, e não trazer de volta o que não deu certo, menos ainda o socialismo ou sua versão bufa, a da Venezuela de Chávez.

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