domingo, março 29, 2009

ÉLIO GASPARI

Sem enfeites, o MEC conserta o vestibular 

O GLOBO - 29/03/09

Que tal dar à garotada a oportunidade de fazer várias provas para entrar na universidade?



A PROPOSTA de reformulação do vestibular preparada pelo MEC pode atolar, vitimada pela Síndrome das Reivindicações Sucessivas. Trata-se de uma doença da burocracia. Nela sempre há alguém dizendo que não se pode fazer A (legalizar lotes urbanos) enquanto não se fizer B (sanear a área) e não se pode fazer B enquanto não se fizer C (corrigir o arruamento). Ao fim, nada se faz.
A ideia é reformar o processo seletivo do vestibular transformando um novo modelo de Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, num substituto daquilo que hoje é a primeira fase do processo. Nela são massacrados dois em cada três candidatos. Está embutida na proposta do MEC a vontade de englobar num só exame o que hoje são as duas fases do vestibular. Essa consolidação não excluiria a realização de um exame complementar, a juízo de cada universidade.
Para reduzir as desigualdades regionais, a nova nota federal permitiria a um aluno da Bahia que conseguiu boas notas matricular-se em São Paulo. Um baiano de família pobre poderá vir para São Paulo com suas boas notas, diminuindo as desigualdades regionais. E como fica a situação quando um paulista de família rica ocupar a vaga de um baiano que teve nota menor? Aumentam-se as desigualdades regionais.
O projeto do MEC ecoa o SAT americano. Ele é um dos muitos elementos que determinam a entrada de um garoto numa boa universidade, mas não tem o peso absoluto das notas do vestibular. Tanto um atleta como um filho de ex-aluno têm mais chances de entrar em Harvard que os outros mortais, mesmo com notas mais baixas no SAT.
A ideia de um exame federal para substituir a primeira fase do vestibular é excelente. Ir além disso é entrar na Síndrome das Reivindicações Sucessivas.
Seria mais fácil revolucionar a vida da garotada que passa um ano inteiro sob a ansiedade de um dia de exame. Bastaria fazer com que, algum dia, o novo exame federal fosse aplicado em três ocasiões ao longo do ano. (O SAT é oferecido sete vezes.) O aluno é obrigado a fazer uma só prova, mas, se quiser, faz as outras e manda a melhor nota para a universidade.
O primeiro exame será gratuito, mas os demais poderiam ser financiados por taxas cobradas aos candidatos. (Coisa de menos que R$ 100.) A ideia pode ser boa, mas, se for o caso, deve esperar. O essencial é acabar com o massacre da primeira fase.

A PF TEM UMA COMPULSÃO AUTOESCULACHANTE

A Polícia Federal não toma jeito. Uma compulsão exibicionista associada à obsessão para incriminar suspeitos acaba desmoralizando suas ações.
Durante os trabalhos de busca e apreensão de provas contra os diretores da empreiteira Camargo Corrêa, a PF fotografou e divulgou oficialmente (repetindo, oficialmente) uma mesa onde se exibiam objetos encontrados na casa de um deles.
É o teatrinho da mesa. Nela havia um pacote de dinheiro, bijuterias, um anel, um cortador de charutos (horrível), um par de óculos e um estojo da loja Cartier.
Que direito a PF tem de entrar na casa de uma pessoa em busca de provas de crimes financeiros e sair por aí distribuindo fotografias dos objetos de uso pessoal da família?
Bernard Madoff deu um tombo de US$ 50 bilhões no mercado. Foi apanhado em dezembro, colocado em prisão domiciliar e há pouco foi encarcerado. A polícia nunca divulgou fotos de seu apartamento. Prender delinquentes é uma coisa, esculachar suspeitos é outra.
Se uma patrulha for à casa do delegado Alberto Iegas, coordenador da PF em São Paulo, certamente poderá montar um teatrinho constrangedor. (Com uma ressalva, em seu benefício: é improvável que ele faça compras na Cartier.)

NUNCA NA HISTÓRIA
Em algum momento do ano passado o Brasil bateu uma marca histórica e o evento passou despercebido. Pindorama ultrapassou a barreira dos 10 milhões de servidores públicos (civis, militares, federais, estaduais e municipais). O ano de 2007 fechara com 9,827 milhões. É provável que a marca tenha sido batida no primeiro semestre.
O Brasil ultrapassou a marca dos 10 milhões de habitantes entre 1865 e 1867.

BOA NOTÍCIA
A Receita Federal abriu um concurso interno para admitir 60 novos auditores e 30 analistas na sua Delegacia Especial de Instituições Financeiras.
Atualmente a rede bancária é monitorada por apenas 29 fiscais externos, número inferior ao de xeretas de malas nos aeroportos.

ABREU E LIMA
O comissariado da Petrobras pode continuar chamando a sua festa empreiteira que patrocina em Pernambuco de "Refinaria General Abreu e Lima". Mesmo assim, poderia homenagear a biografia de um brasileiro que viveu honestamente e, 140 anos depois de sua morte, tem o seu nome associado a roubalheiras. Bastaria botar uma placa na entrada da obra, reproduzindo em bom tamanho algumas palavras de Abreu e Lima, escritas em 1833: "A minha causa está afeta ao povo: é às massas para quem apelo, porque eu sou parte delas, sou um dos muitos, sou membro desse todo que desprezais a cada instante, e a quem tendes chamado "vil canalha" mais de uma vez, depois de tê-lo enganado para encher a vossa bolsa, para locupletar-vos à custa da sua boa-fé".

LÍDER SEM LÍDER
Nosso Guia gosta de dizer que as empresas socorridas por empréstimos de bancos oficiais não deveriam demitir seus empregados. Ele precisa combinar a bondade (ou a lorota) com o líder do PT na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (SP). Na semana passada, o companheiro triturou uma emenda do seu colega Fernando Coruja (PPS-SC), que punha no papel o que Lula diz no palanque. Ela garantia até o final de 2010 os empregos dos trabalhadores em empresas com faturamento superior a R$ 2,4 milhões anuais que passassem pelo guichê de bancos da Viúva. Coruja reapresentará a emenda nesta semana, durante a votação da MP 451.

ÁGUA NA GASOLINA
O comissário Sérgio Gabrielli justificou o preço da gasolina a R$ 1,10 o litro mostrando que ela custa menos que uma garrafa de água. O presidente da Petrobras não entende de água ou, o que é pior, não entende de gasolina. O litro de água da torneira custa em torno de R$ 0,015.
Fica o receio de que ele namore a ideia de vender gasolina em garrafas de litro.

FOFOCA
Saiu nos Estados Unidos uma biografia de Pauline Bonaparte, a irmã burra, bonita e frívola (põe frívola nisso) de Napoleão. Foi escrita por Flora Fraser, filha de Lady Antonia, a biógrafa de Oliver Cromwell e viúva do teatrologo Harold Pinter.
A moça dá crédito à fofoca espalhada por Josefina, a primeira mulher de Bonaparte, de que Pauline e o imperador foram namorados ocasionais, com desagradáveis consequências para a saúde dela.

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