quarta-feira, março 25, 2009

DIOGO MAINARDI

PODCAST
Diogo Mainardi

25 de março de 2009




Texto integral
Kraftwerk e Mozart


234 anos. É a soma da idade dos quatro componentes do Kraftwerk. É como se o grupo tivesse nascido em 1775. Por essa medida, ele é contemporâneo de Mozart. Em 1775, Mozart tinha 19 anos. A vinda do Kraftwerk ao Brasil, cronologicamente, equivale à vinda de Mozart ao Brasil. Em vez de Salzburgo, o Sambódromo.

Depois do espetáculo do Kraftwerk no Sambódromo, li que um de seus membros, Florian Schneider, de 62 anos, decidiu abandonar o grupo alguns meses atrás, sendo substituído por um eletricista, Stefan Pfaffe. Isso reduziu a idade do Kraftwerk em cerca de duas décadas. Refiz todas as minhas contas. Foi como se Mozart tivesse vindo tocar no Sambódromo cinco anos depois de sua morte. Musicalmente, faz mais sentido.

Na última semana, fui arrastado ao Sambódromo para ver o Radiohead. Antes de ver o Radiohead, tive de ver o Kraftverk, que abriu o espetáculo. Acompanhei seus primeiros discos. Autobahn e Radio-Activity. Em 1977, quando saiu Trans-Europe Express, eu já desistira do grupo. Tinha 15 anos. Era velho demais. Quase a idade de Mozart em 1775. Naquele tempo, o Kraftwerk evocava o futuro. Mas era uma imagem do futuro de 30 anos atrás. Ridiculamente datada. Embolorada. Caduca. Com seus uniformes aderentes, com sua imobilidade no palco, com suas letras afásicas, com seus arranjos elementares, com sua batida narcótica, com sua tecnologia rudimentar, o futurismo caipira do Kraftwerk era igual ao do seriado de TV com marionetes OsThunderbirds.

No comecinho da década de 1980, o Kraftwerk influenciou grupos como Joy Division, Depeche Mode, New Order, Soft Cell, Human League. Meia dúzia de acordes no minimoog. Foi o pior momento da história da música. Foi o pior momento também na história da pintura, da arquitetura, da literatura, que continuaram se abastardando de lá para cá. O espetáculo do Kraftwerk no Sambódromo, com um eletricista no lugar do tecladista, foi o testemunho melancólico de um fracasso geracional. O fracasso de minha geração.

E o espetáculo do Radiohead? Um de seus guitarristas é amigo de um amigo, que me arrumou um lugar no curralzinho da mesa de som. E o baterista do grupo, no dia seguinte, no bar do hotel, ensinou meu filho menor a tocar bumbo. Apesar disso, eles me aborreceram com aquelas bandeiras tibetanas penduradas nos pianos. Me aborreceram com aquele protesto disparado contra os "norte-americanos". Me aborreceram sobretudo por me fazer ficar de pé por mais de quatro horas. Durante o espetáculo do Kraftwerk, pensei sobre o fracasso de minha geração. Sobre o futuro esclerosado que representamos. Durante o espetáculo do Radiohead, mais modestamente, pensei apenas que, entre eles e uma cadeira, escolho a cadeira. Entre Mozart e uma cadeira, escolho a cadeira.

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