quinta-feira, janeiro 08, 2009

NAS ENTRELINHAS

A coluna que Lula não vai ler


Correio Braziliense - 08/01/2009
 

A principal queixa do presidente é que a imprensa não mostra as coisas boas feitas pelo governo. Não é verdade e ele sabe disso

Em entrevista à revista Piauí, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que não lê jornais e revistas. Argumentou que isso lhe faz mal ao fígado. Pode parecer frase de efeito, mas é a mais pura verdade. Lula não gosta de ler notícias e essa aversão não é nem mesmo conseqüência das pauladas que levou desde que assumiu o Palácio do Planalto. Vem de antes, é parte do seu jeito de ser e de fazer política. Mas a relação com a imprensa, ou a falta dela, influencia diretamente sua forma de governar. Até porque vai além do presidente. Atinge sua equipe e o PT. É um fenômeno sobre o qual vale a pena escrever. Mesmo sabendo que o presidente não vai ler. 

Lula se informa das principais notícias no início do dia. O ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, ou a assessora especial, Clara Ant, lhe fazem um resumo do que saiu e passam recortes das reportagens mais importantes. Diga-se de passagem que é um avanço. No início do primeiro mandato, esse resumo chegava por meio das “Cartas ácidas”, elaboradas pelo assessor Bernardo Kucinski. Os textos faziam jus ao nome e viam em qualquer reportagem de tom crítico sinais de uma conspiração contra o governo. A acidez descia direto ao fígado presidencial. Franklin Martins faz o relato em tom profissional e desapaixonado. 

Governos têm razões para se queixar da imprensa. É inevitável que aconteçam erros ou injustiças, em especial em momentos mais tensos, como escândalos políticos ou durante o trabalho de comissões parlamentares de inquérito. O governo do PT se queixa mais. Em parte, com motivos. Lula é mesmo alvo de uma feroz vigilância da mídia. Mas é bom lembrar que foi o PT quem criou a fórmula de unir-se à mídia a fim de fazer das CPIs motivo para exigir a queda de governantes. Além disso, Lula pavimentou seu caminho para a presidência contando com a simpatia militante de boa parte dos jornalistas do país. 

Ninguém gosta de abrir o jornal e ler algo desfavorável. Fernando Henrique Cardoso, ao contrário de Lula, era um leitor voraz. Sabia o que tinha sido escrito, onde e por quem. Isso muitas vezes fazia com que seu governo reagisse com cara feia para veículos que assumiam uma postura mais crítica. No caso de Lula, o problema é a generalização. O presidente coloca todos no mesmo saco: a “imprensa”. E está convencido que ela trabalha para derrubá-lo. Já deixou isso claro em mais de uma entrevista e vive batendo na tecla em seus pronunciamentos. 

A generalização é injusta e embute um perigo. Há no PT segmentos que não veem com bons olhos a liberdade de expressão e para quem imprensa boa é imprensa a favor. O próprio Lula pensou em expulsar do país o correspondente do New York Times, Larry Rohter, quando esse escreveu uma reportagem na qual o acusava de beber demais. Foi salvo pela intervenção decidida do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e do jornalista Ricardo Kotscho, à época seu chefe de comunicação. O mesmo governo já tentou criar um conselho para regulamentar o jornalismo. As iniciativas não deram certo, mas deixaram no ar um cheiro esquisito. 

A principal queixa do presidente é que a imprensa não mostra as coisas boas feitas pelo governo. Não é verdade e ele sabe disso. O governo viveu seu pior momento no final de 2005. À época, o escândalo do Mensalão contaminava o ar do Palácio do Planalto. A popularidade de Lula despencou e as pesquisas apontavam que ele se encaminhava para uma derrota certa nas eleições do ano seguinte. O presidente percebeu isso e decidiu inverter o jogo. Passou a adotar uma agenda positiva, cheia de medidas populares: dinheiro para grandes obras, aumento nos programas sociais, crédito mais barato. Em pouco tempo, a curva das pesquisas tinha se invertido. Lula foi reeleito e hoje chega aos 80% de aprovação. Como o país ficou sabendo de todas essas medidas? Pela imprensa, presidente. Quando a notícia é importante, ela sai. 

É preciso reconhecer que não ler jornais dá a Lula uma vantagem tática. Ele se informa de forma semelhante a de seus eleitores. Fica sabendo das grandes histórias, as que geram mais barulho e repercussão. Dessa forma, só reage quando a encrenca é grande o suficiente para gerar problemas reais. Não entra em qualquer marola. Assim, evita ser pautado pela imprensa. 

Mas a falta dessa leitura também lhe cobra um preço. O de não perceber que a imprensa é maior que as generalizações. Erra, como os governo erram. Mas acertam bastante. Ao não ler, o presidente está exercendo sobre a mídia o mesmo olhar enviesado que condena nos jornalistas. Fica apenas com a imagem ruim. 

Se alguém encontrar o presidente em suas férias na Bahia e quiser comentar esta coluna, fique à vontade.

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